O que não sei de mim.

photo of woman holding a mirror

Foto por Miriam Espacio em Pexels.com

Um dia desses, minha filha mais nova brincava com a nossa cadelinha pela casa. Corriam e faziam barulho enquanto eu cozinhava alguma coisa. Quando cansaram, deitaram no tapete e ficaram de chamego. Duas filhotinhas ofegantes e felizes. Uma graça!

Minha filha agarrou o bichinho e cochichou em seu ouvido:

– Mia, sabia que a pontinha do seu rabinho é preta?

Parecia que um enorme segredo tinha acabado de ser revelado. Mia arregalou os olhinhos, Helô sorriu e eu me pus a pensar.

Claro que a Mia não sabia que a ponta de seu rabo tinha uma cor diferente e, certamente, isso não tem muita importância para ela, mas fiquei a imaginar todas as coisas que existem em nós sem que possamos enxergá-las.

Já ouvi gente falando coisas sobre mim  – tanto boas quanto más – que me pareceram irreais no momento. É sempre estranho olhar pra gente com os olhos do outro, pois essa análise se mistura intimamente pelo crivo pessoal de cada um. É difícil não se sentir julgado.

No entanto, hoje, imagino se não eram apenas traços que possuo, mas não podia enxergar. De repente uma corzinha diferente onde não vejo. Algo que está em mim, mas simplesmente, ignoro.

Obviamente, o que passou não tem muita importância, agonizar o passado é autoflagelo, mas a constatação de que, talvez, haja ângulos nossos que não conhecemos é aceitar melhor que somos imprevisíveis. Somos mosaico, não peça inteira. E, honestamente, isso é sensacional.

Tenho medo de algumas partes disso, de não ser absolutamente dona de mim ou da situação. Por outro lado, isso não deveria ser surpresa, nós já tivemos reações chocantes, já choramos ao invés de gritar, já brigamos quando, de costume, calaríamos. Todos nós, já nos espantamos com o espelho, não é mesmo?

Espero que sempre possa me orgulhar de quem sou, mesmo das partes que não conheço e, quando não for possível, que sempre haja um perdão a minha espera. Desejo isso a você também, porque viver não é fácil, SER, menos ainda.

 

 

 

Bobagens importantes.

white ceramic cup

Foto por Saif Selim em Pexels.com

Descobri que estou destreinada. Essa coisa de escrever Romances prejudicou minha capacidade de rascunhar. Para quem não sabe, foi aqui que comecei a me aventurar na escrita. Em um tempo muito muito distante, costumava escrever todos os dias sobre qualquer coisa. Qualquer coisa mesmo! Uma vez, escrevi sobre a dificuldade de comprar um biquíni, pra você ver que eu não tinha muito compromisso ou escrúpulos no pobre blog.

A questão é que eu escrevia para passar o tempo e, hoje, arranco tempo da vida para poder escrever. Outra diferença – e a mais importante – é que, depois de oito anos publicando livros, aprendi a levar a escrita muito a sério. Respeito demais a chance de eternizar o que quer que seja. Já disse um milhão de vezes que nem toda ideia merece virar livro, que nem toda história merece ser contada.

Agora, na maior contradição, me vejo pensando em contar como é ter um filhote de cachorro em casa, sobre minha necessidade de silêncio ou meu novo vício por chai-latte. Mas tudo isso pode parecer que estou desdenhando do tempo de quem lê. Você se sentiria enganado se te contasse sobre minha covardia em ter uma tatuagem?

Contudo, ao pensar sobre coisas desimportantes enquanto escrevo este texto, me surge que, nas bobagens da vida, moram nossas sutilezas e também particularidades. Posso dizer que ter um filhote em casa renasceu um afeto que só senti na minha infância. Ter a minha cadelinha me rejuvenesceu e, com isso, trouxe a leveza que carregava aquele eu. Posso confessar que meu medo não é da tatuagem, é do eterno. E isso não é pouco não é mesmo?

Escrever sobre qualquer coisa, de repente pode ser escolher olhar com cuidado em volta para poder pinçar as coisas que passariam despercebidas. Talvez eu não esteja destreinada em rascunhar, esteja apenas destreinada em olhar com afeto para os detalhes. E quase me assusta perceber que só me dei conta disso porque me sentei aqui decidida a produzir algo. E sou tão grata por sempre encontrar de volta o caminho até as palavras.

Não te incomoda pensar que você pode estar deixando passar o melhor da vida e, com isso, perdendo o melhor de si? Deus me livre dos dias em que não percebo, sinto e engasgo com a vida. Deus me livre de me perder de mim.