Para sempre escrevedora

IMG_7655.jpgEscrever, muitas vezes, é caminhar em um labirinto. Para mim é. Não vou aqui listar inúmeras regras, truques e quantidades de palavras diárias. Não vou, porque jamais enganei leitor algum. É o nosso trato, certo? Eu sento, coloco tudo no papel, com tudo o que tenho e sou e deixo para que você recolha com tudo o que tem e é. Sempre foi assim e há uma promessa de que sempre será.

Partindo deste princípio, de que continuaremos com nossa conversa franca, confesso que a escrita é campo selvagem e como tal, não é dominada por mim. Embora eu seja professora, especialista em Língua e tudo mais o que os meus diplomas dizem, aprendi que a minha escrita é – e por Deus que continue sempre assim – algo que transcende qualquer manual.

Há dias em que escrevo como um robô que foi feito para isso. As páginas vão se acumulando a uma velocidade impressionante, como em um desenho animado em que as folhas escapolem da máquina de escrever voando por uma sala enquanto os dedos do escritor se contorcem até darem um nó. Nesses dias durmo bem, durmo vazia.

Em outros, empaco em uma frase e passo horas olhando um capítulo, encarando um personagem, perguntando: o que você quer de mim? Passo dias com essa questão atravessada na garganta até perceber que a pergunta maior é o que eu quero – e preciso – dele. Nesses tempos, tenho insônia.

Escrita é um embate. Para mim é. Um embate com as palavras, com a semântica e com a métrica. Um embate comigo, com o mundo e com o que eu penso e sinto. Mas, acima de tudo, é um embate com o tempo, porque tudo é frágil e muda a todo instante. Incessante.

Caso você tenha vindo em busca de alguma particularidade, alguma técnica especial ou algo semelhante, sinto muito. Juro que até tentei pescar alguma coisa especial no meu jeito de escrever para compartilhar contigo, mas o ato se sobrepõe a forma. É nisso que eu realmente acredito.

Contudo, para não desapontá-lo inteiramente, sairei do campo abstrato por um instante:

  • Começarei dizendo que não escrevo mais nada à mão, nem rascunhos. Questões físicas. Tenho um cisto no punho direito, tendinite e essas coisas chatas sofridas por quem abusou demais de sua mão. Faço rabiscos enquanto penso, mas acho que isso não vale.
  • Não sou aficionada por anotar tudo o que penso. Nem todo pensamento merece virar palavra e esse é um pensamento que levo muito a sério.
  • Tenho manias que contradizem as regras das grandes bíblias do bem escrever, como repetir propositalmente uma palavra e também amar advérbios, sobretudo os de intensidade. Amo escandalosamente cada um deles e fico feliz por não serem cortados nas edições.
  • Sofro de inversão da sintaxe, ou seja, inverto a ordem natural das frases (quase um Yoda) e isso me dá um trabalhão na revisão. Embora eu ame a estrutura inversa, você precisa ter em mente que para comunicar bem se deve evitar tudo e qualquer coisa que atrapalhe a naturalidade da leitura.
  • Escrevo linearmente. Não gosto de construir cenas soltas e depois “grudá-las”, gosto de criar na sequência em que será lida. Acredito que assim domino melhor o ritmo da história. Mesmo quando há flashbacks ou idas e voltas no tempo, pode ter certeza de que tudo foi escrito exatamente naquela ordem. O que acontece se eu vislumbro uma cena que acontecerá apenas em cinco capítulos? Sofro até chegar o momento de escrevê-la.
  • Termino com o mais importante: não tenho pressa em terminar um livro. Não coloco na minha escrita o peso dos prazos, das metas, do dinheiro ou do sucesso. Isso vem depois do produto livro existir, só depois. A única pressa é a de desaguar. Quando me sento, sou eu, as palavras e o todo que nos une. Nada e ninguém mais.

Por tudo isso – e mais tantas coisas que renderiam um ensaio – aprendi escrevendo, publicando e jogando coisas no lixo, que há muitas respostas para uma única pergunta. Eu poderia te dizer que escrever é conhecer seu idioma e suas artimanhas, porque é. Poderia dizer que escrever é estudo, pesquisa, conhecimento do assunto escolhido e um baita trabalho intelectual, porque é. Poderia dizer que é um dos trabalhos criativos mais difíceis que existe, pois exige técnicas refinadas de construção de texto para não entediar o seu leitor, não deixar furos e tantas (tantas!) outras coisas, porque é. Porém, digo sem titubear que processo de escrita é processo de descoberta, de cutucar ferida, de achar que já disse tudo o que podia até começar tudo de novo. Escrever começa muito antes de digitar a primeira palavra, começa cavoucando lá dentro onde ninguém conhece, nem você. Para mim é.

 

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