Eu.

Às vezes, sinto saudades do começo de tudo. Daquele momento em que a escrita era o meu segredo. O sagrado secreto. Uma realidade paralela criada por mim e que somente eu tinha acesso. Saudades de saber que o dia não existia antes de eu visitar essa dimensão.

Foto por Kobe – em Pexels.com

Sinto saudades do tempo em que alguma coisa em mim parecia não ter explicação, aquele pedacinho confuso que me tornava – a meu ver – um pouquinho especial.  Aquela sensação de que meus pensamentos precisavam ganhar voz, o papel, algum lugar fora de mim…

É estranho ter saudades da gente, mas eu tenho. Aquela menina aguerrida, esperançosa e inquieta faz uma falta danada. Porque o mundo já não me apetece tanto, as pessoas não me interessam tanto e, de repente, o sentido ficou perdido nas confusões do dia, da vida, dos números e do tempo.

Falar pra quê? Pra quem? Nem alívio traz mais, pois, inesperadamente, não há desafogo. É só um dia atrás do outro. Um dia que precisa ser vencido para o outro poder chegar e o outro que chega exige a mesma coisa do anterior. Esse looping sem razão engole toda a beleza, a poesia, o ócio inspirador, a contemplação do que a gente precisa se esforçar pra ver.

Estou perdida neste novo mundo. Este lugar de vídeos, volume alto, algoritmos e publicidade. Perdida na necessidade de me adaptar. Porque a verdade é que não quero mais me provar e, por mais que eu sinta falta da jornada, o destino me mostrou que a gente derrama mais lágrimas do que deveria. É muita ansiedade patológica em troca de instantes felizes. E a saudade só existe porque o momento habitou na ingenuidade e essa, uma vez perdida, meu amigo, nunca mais nos visita.

Eu sinto falta sim, vou sentir sempre, porque aquele momento antes da decepção sempre será reconfortante. Olha lá, ela está prestes a perceber. Veja como o segundo transcorre displicente antes de tudo mudar. É este ponto o mais feliz, porque você acredita que ele terá poder de perdurar.

Apesar das saudades, este novo eu que agora aqui está precisa continuar. Não dá pra ficar no luto eterno. Não posso chorar a ausência pra sempre e é por isso que estou aqui, porque a palavra é minha nascente e meu desague. Onde eu chego e também me despeço.

Por isso, querido eu, apenas, desculpe-me se daqui em diante as coisas não forem tão poéticas ou esperançosas. Desculpe não ter mais o floreio romântico e o final feliz. Desculpe demorar tanto para olhar de novo pra ti. Mas eu te aceito, a gente vai junto até o fim.

O ano que não vivi.

underwater photography of woman

Foto por Engin Akyurt em Pexels.com

O título está catastrófico, eu sei. Mas é assim que vejo um ano repleto de coisas pesadas, preocupações e nenhuma linha. 2.019 sempre será lembrado como o ano em que não consegui produzir. Não saiu livro nem conto. Mal consegui colocar algumas palavras por aqui. Não dei conta, só segui e nós já sabemos que sobreviver não é viver e isso, por si só, justifica o título.

Sinto que em alguns dias o tempo correu mais rápido do que eu, em outros, eu não tinha forças para tentar qualquer coisa. A rotina me sufocou e eu havia prometido que jamais permitiria que isso acontecesse de novo, mas aconteceu. Foi como uma avalanche que soterra tudo o que vê pela frente e, pesar de eu ter jurado que não deixaria, aconteceu: a vida me soterrou.

Sei que promessas também são quebradas e me perdoo por isso, porque, às vezes, a gente faz o que pode e nem sempre é suficiente. Este ano, precisei expandir o amor, a paciência e resiliência. Minha fé meio que adormeceu e precisou ser despertada da pior maneira: desespero. Só um filho precisando faz a gente reaprender a rezar e, Deus, como rezei!

Este ano eu dormi ou tentei. Não consegui manter aquele ritmo frenético de amanhecer escrevendo . Precisei dormir, desligar minha cabeça, ouvir bobagens na televisão. Recorri à anestesia tão velha conhecida da nossa sociedade e isso é meio triste.

É que pensar nos tempos de hoje tem doído, não é mesmo? A política nos consumiu, o preço do mercado, as frases, os gestos, o mal do mundo invadindo nossa vida sem nem pedir licença. É triste ver as pessoas confortáveis na ignorância e isso só aumentou o meu desejo de isolamento.

Apesar de todo esse peso dos parágrafos anteriores, preciso dizer que já cheguei em uma idade em que altos e baixos não me surpreendem. Sei que nem sempre vai ser bom ou empolgante. Muitas vezes é no baixo que a gente tem que viver e, neste ponto, toda energia gasta em manter nosso mundo no lugar, em sobreviver sempre será uma energia bem gasta, mesmo que não sobre muito para outras coisas, nem que custe o escrever.

O lado bom é que a gangorra sobe e, mesmo que precise de esforço, as coisas se ajeitam. O ano acabou, alguns problemas também e, mesmo que nem tudo tenha solução, a vida continua. Hoje haverá noite e amanhã haverá dia e não há nenhuma inconstância que sobreviva e constância que Universo impôs.

Ano novo sempre chega com tom de cobrança, mas eu já calejei disso. Por aqui, nada de resoluções, a gente precisa aprender a viver um dia de cada vez, pois no fim é isso mesmo. O único compromisso é respirar fundo quando a avalanche vier e manter a força para emergir quantas vezes forem necessárias. Emergir sempre.